segunda-feira, abril 13, 2009

O céu de outono sempre lhe causou especial sensação de amparo. O som daquela estrada de chão ainda era o mesmo - o vento dançando com as folhagens, as pedras estalando sob seus sapatos e o sonoro sorriso que ensaiava sua primeira aparição em anos.

Passando por aquele grande pórtico que delimitava onde começava e terminava sua infância, ele sentiu um sopro de aromas perdidos em nossas fantasias. Tudo parecia igual. Mesmo carvalho, mesmo balanço - e na sua testa a mesma cicatriz. Mesma cerca de arame, mesmas estacas - e em suas mãos as lembranças das farpas e calos. Mesmo galpão, mesmas baias - e no seu passado o cheiro de virgindade perdida. Mesmo gramado verde, mesma casa - e naquela estrada de terra, novamente o mesmo menino.

Ao final daquela estrada se encontrava uma grande casa branca, com sua grande varanda a lhe abrir os braços, com suas cinco janelas no andar de cima a lhe sorrir e com a mesma fumaça saindo de sua cabeça a lhe avisar que o coração ainda arde de dor e saudade. Seus passos se tornaram cada vez mais acelerados como se a criança que acordava estivesse desesperada por correr. Tudo foi tão forte que ele mal notou seu chapéu cedendo ao vento e voando quando finalmente se pôs a correr.

Naquele frenesi em passos rápidos e descoordenados de um desesperado foi a sua primeira gota de lágrima a avisar o solo árido que o tempo da saudade acabara. Nunca se viu tão certo de si, de quem ele era desde o dia que ainda menino cruzara aquele pórtico no sentido contrário.

Para muitos é apenas mais uma visita, abraços e beijos. Uma conversa descompromissada. Um acerto de contas. Ou quem sabe um motivo festivo. Mas aquele turbilhão de sentimentos explodiu dentro dele e só lhe restou pensar "como é bom estar em casa".

quarta-feira, abril 01, 2009

(...)


Como devesse entrar nesse negócio sem o costumeiro capital, torna-se difícil conjeturar onde obter os meios, ainda indispensáveis em tais empreendimentos. Quanto ao Vestuário, para entrar logo na parte prática da questão, a maioria das vezes talvez sejamos levados mais pelo gosto da novidade e respeito à opinião alheia do que pela verdadeira utilidade. Quem vai trabalhar deve ter em mente que o objetivo da roupa é, em primeiro lugar, manter o calor vital, e secundariamente, no atual estágio da sociedade, cobrir a nudez, a fim de que possa julgar quanto de qualquer trabalho necessário ou importante poderá ser desempenhado sem acréscimo para seu guarda-roupa. Reis e rainhas que usam um traje apenas uma vez, feito sob medida pelo alfaiate ou costureiro de Sua Majestade, desconhecem o conforto de continuarem vestindo uma roupa que assenta bem, e nessa condição se equiparam a cabides de madeira em que se penduram roupas limpas. Cada dia que passa nossas roupas se assimilam a nós, recebendo a marca da personalidade de quem as veste, de tal modo que hesitamos em abandoná-las, ainda que não ocorram a demora, os recursos médicos e a solenidade com que abandonamos nosso corpos. Homem nenhum caiu no meu conceito por ter um remendo na roupa, mesmo assim tenho certeza de que comumente há maior preocupação em estar na moda, com roupas limpas e sem remendos do que em ter a consciência tranquila.

Entretanto, mesmo que o rasgado não seja cerzido, o vício que se revela pio é o da imprevidência. Às vezes testo conhecidos meus assim: - Quem usaria remendos ou costuras duplas sobressalentes sobre o joelho? Muitos reagem na crença de que suas perspectivas de vida seriam arruinadas se procedessem assim. Para eles seria mais fácil irem mancando, de perna quebrada até a cidade do que de calça rasgada. Vê-se com frequência que, se ocorre um acidente com as pernas de um cavalheiro, estas podem ser consertadas, mas se o mesmo ocorre com as pernas de suas calças, não há remédio, tudo porque ele se deixa levar não pelo que é respeitável, mas pelo que é respeitado. Eis porque conhecemos poucos homens e uma infinidade de paletós e calças. Vesti um espantalho um espantalho com vosso último traje e ficai nu a seu lado: quem não saudaria primeiro o espantalho? Outro dia, passando por um milharal, perto de um chapéu e um paletó pendurados numa estaca, reconheci neles o dono da fazenda, que estava apenas um pouco mais castigado pelo mau tempo do que quando o vi pela última vez. Ouvi falar de um cachorro que latia a qualquer estranho que, vestido, se aproximasse da propriedade de seu dono, mas que logo se aquietava diante de um ladrão nu. Até que ponto os homens manteriam a sua posição social caso fossem despidos, eis uma questão interessante. Acaso poderíeis, numa situação dessas, apontar com segurança num grupo de pessoas civilizadas, quais pertencem à classe privilegiada? Diz Madame Pfeiffer, narrando suas viagens aventurescas ao redor do mundo, que indo de oriente a ocidente, ao chegar à Rússia asiática perto de sua terra natal, sentiu necessidade de trocar as roupas de viagem por outras mais adequadas ao contatar autoridades, pois "se encontrava agora num país civilizado, onde as pessoas eram julgadas por suas roupas". Mesmo nas cidades democráticas da Nova Inglaterra, a posse acidental de riquezas e a correspondente manifestação na maneira de trajar-se e equipar-se angariam respeito universal para o possuidor. Os que geram tal respeito, porém, ainda que numerosos, não passam de pagãos carecendo dos serviços de um missionário. Além disso, as roupas acarretaram a costura, o tipo de trabalho que não tem fim, pelo menos quanto aos vestidos de mulher, os quais nunca estão definitivamente prontos.



(...)



Trecho do Livro Walden ou a vida nos bosques, de Henry David Thoreau, 1854.