sexta-feira, julho 24, 2009

"Em primeiro lugar, a abundância de espelhos. Se há espelhos, é estágio humano quereres ver-te nele. Mas nestes não te vês. Tu te procuras, buscas tua posição no espaço na qual o espelho te digas 'estás aqui, e és tu mesmo', e acabas te danando todo, te aborrecendo, porque os espelhos de Lavoisier, sejam côncavos ou convexos, te desiludem, escarnecem de ti: arredando-te, tu te encontras, mas depois te deslocas e te perdes. Aquele teatro catóptrico fora disposto para tolher-te toda identidade e fazer com que te sintas inseguro de teu lugar. Como se te dissesse: não és o pêndulo nem estás no lugar do pêndulo. E te sentes não apenas inseguro de ti mas igualmente dos objetos colocados entre ti e outro espelho. É verdade que a física sabe o que é e por que isso ocorre: basta colocar um espelho côncavo que recolha os raios emanados do objeto - neste caso um alambique sobre uma panela de cobre - e o espelho reenviará os raios incidentes de modo que não vejas o objeto, bem delineado, dentro do espelho, mas tenhas dele uma intuição fantomática, evanescente, ao meio-termo, e invertido, fora do espelho. Naturalmente bastará que te movas um pouco para que o efeito desvaneça.
Mas de repente, me vi, invertido noutro espelho.
Insustentável."

(O Pêndulo de Foucault, Umberto Eco, pg. 19)

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