Pelos passos do Senhor
A festa de nosso senhor é muito bonita. É alegre. É boa com o povo daqui.
De sol a sol o povo conhece suor na testa, água morna para matar a sede. A sede mata o homem ainda apoiado na enxada, mas ele não cai, não. Tem trabalho pela frente, tem água morna, tem Maria, tem 5 filhos. O homem morre, mas não cai.
Eis que vem a festa de nosso senhor. O povo sorri como amadores. Dança com jeito de quem sobe colina: perseverante e focado. A ginga não está nos pés e muito menos nos quadris. A ginga do povo que morre sem cair está no coração que volta a bater forte.
A música enche o povoado e enche de devaneios os recém nascidos homens da terra. Ninguém sabe do mundo fora daquelas baladas repetitivas. Desde a primeira gota de suor na testa, o som de nosso senhor tem gosto de chuva, rapadura, risadas e daquela música metálica, arrastada, inconfundível por ser a única.
No meio de tudo, Maneco não anda, não dança, não fala, não come, não bebe. Maneco se mistura na festa como areia no rio. Vaga pela correnteza. Beija marias e joanas. Soluça no vento. Abre os braços e agora é todos.
Maneco faz da terra um picadeiro. Faz das esculturas rococós da sua face a fachada de um templo de alegria e esperança. A esperança do povo daqui é de dias melhores, mas não a de Maneco. Maneco têm esperança de que a festa de nosso senhor nunca acabe. Sonha que a música seja mais longa que a sua própria vida. Sonha que o Sol ache que é domingo e não levante tão cedo.
Assim como areia no rio, Maneco assenta no chão com os primeiros raios da realidade. Agora a esperança é água que corre sobre sua cabeça e não leva ele. No fundo do rio, Maneco fecha o templo e se prepara para a primeira gota de suor do dia. No entanto, toda aquela água que passa no rio balança Maneco e avisa ele que um dia terá novamente a festa do nosso senhor.
Maneco se contenta e pensa que a festa de nosso senhor é muito bonita. É alegre. É boa com o povo daqui.
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